ONÉSIO JOSÉ DIAS ROSA, pai de Debs Antônio Rosa — sojeiro preso após ser apontado pela Polícia Federal como chefe de um esquema bilionário de grilagem de terras públicas —, será julgado pelo Tribunal do Júri no Pará. Ele é acusado de matar o trabalhador rural sem-terra Cosmo Pinheiro de Castro há dez anos, dentro de um bar em Anapu, no sul do estado.
Cosmo foi executado com dois tiros, um no peito e outro na nuca. A Justiça entendeu que o crime foi cometido por um motivo banal e de forma a impedir que a vítima tivesse chance de se defender. A decisão que mandou o fazendeiro a júri popular foi tomada em dezembro e se baseia em laudos e testemunhos colhidos no processo. O Tribunal de Justiça do Pará ainda não definiu a data do julgamento.
O dono do bar onde o crime aconteceu reconheceu, em juízo, Onésio como o autor dos disparos. Outras testemunhas o identificaram por fotografia como o “pai do Debs”, e relataram que ele teria chegado ao local momentos antes do assassinato. Vestindo colete à prova de balas, estava acompanhado de outro homem, em uma caminhonete de escolta.
O nome de Cosmo é um dos diversos gravados em uma cruz vermelha fincada ao lado da sepultura da missionária católica Dorothy Stang. A cruz traz os nomes dos trabalhadores rurais assassinados em Anapu desde 2005, ano em que Dorothy foi executada por defender a reforma agrária.

Onésio foi procurado pela Repórter Brasil por ligação e mensagem, mas não respondeu até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto. A defesa do acusado nega que ele seja o autor e argumenta no processo que não há provas suficientes contra ele. O principal ponto apresentado foi o de que Onésio não se encontraria no local do crime. Contrariando o depoimento de testemunhas, a defesa alega que ele estaria em Araguaína, no Tocantins, onde mora.
Enquanto o pai responde em liberdade, o filho está preso. Debs foi detido em 21 de maio em Imperatriz, no Maranhão, durante a operação Imperium Fictum da Polícia Federal. A investigação aponta que ele chefiava um esquema de grilagem que forjava “fazendas fantasmas”’ com documentos falsificados, de terras inexistentes ou localizadas em áreas públicas, usados como garantia para obter financiamentos bancários.
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O grupo é acusado de ter movimentado mais de R$ 600 milhões e formado um patrimônio superior a R$ 1 bilhão. Além de Debs, também foram presos na operação sua ex-mulher, seu ex-sogro, um ex-cunhado, funcionários e um de seus filhos.
Debs já havia sido tema de reportagem da Repórter Brasil, de agosto de 2024, que mostrou sua ascensão de condenado por ser mandante do assassinato de um sem-terra a fazendeiro influente e prestigiado por políticos locais.

Vítimas do pai e do filho estavam lutando pela reforma agrária na mesma área
A nova prisão se soma a uma condenação anterior. Em 2018, Debs foi sentenciado a dez anos de prisão como mandante do assassinato de José Nunes da Cruz e Silva, conhecido como Zé da Lapada. Ele foi executado em outubro de 2015 no Lote 83, área de intensa disputa agrária em Anapu.
Segundo o Ministério Público Federal, Debs havia ameaçado Zé da Lapada dias antes. Dois homens em uma moto mataram a vítima, que participava da ocupação de terra. O nome de Zé da Lapada também está gravado na cruz vermelha ao lado do túmulo de Dorothy Stang.
Tanto Cosmo quanto Zé da Lapada estavam ligados à mesma frente de ocupação de terra. Ambos atuavam ao lado de famílias sem-terra e foram assassinados com menos de dois meses de diferença: Cosmo em agosto, e Zé da Lapada em outubro de 2015.
Debs recorre da sentença em liberdade desde 2023, quando obteve alvará de soltura. ou a promover eventos em sua Fazenda Talismã, em Vitória do Xingu, com shows de duplas sertanejas como Bruno & Barretto, autores do hit Farra, pinga e foguete. A propriedade, segundo a Polícia Federal, está entre as áreas griladas pelo grupo.
A trajetória de Debs inclui ainda acusações anteriores por porte ilegal de arma, sequestro, formação de quadrilha e estelionato. Em 2018, ele acusou sem provas o padre Amaro Lopes, sucessor da missão de Dorothy Stang, o que levou à prisão temporária do religioso durante um período de ofensiva de fazendeiros.

Violência e impunidade em série
As mortes de Cosmo e Zé da Lapada não são casos isolados. Desde 2005, pelo menos 21 pessoas foram executadas em Anapu em conflitos por terra. Cinco delas apenas no Lote 83, uma área pública da Gleba Bacajá criada durante a ditadura militar e originalmente destinada à reforma agrária. Com cerca de 3 mil hectares, o lote foi progressivamente ocupado por grileiros e grandes proprietários.
Levantamento da Defensoria Pública do Pará mostra que, dos 21 homicídios ligados à disputa agrária em Anapu, oito foram arquivados sem identificação de autoria, três sequer têm inquérito aberto e apenas cinco tramitam na primeira instância. Muitos crimes ocorreram em áreas urbanas, numa tentativa de dissociá-los do conflito fundiário.
Segundo apuração da Agência Pública, com base em dados da Comissão Pastoral da Terra, da Defensoria Pública e do Tribunal de Justiça do Pará, nenhum executor ou mandante está atualmente preso por qualquer um dos assassinatos registrados na cruz vermelha ao lada da sepultura da Dorothy.
Apenas três chegaram a ser julgados em alguma instância, com duas absolvições. Em oito casos, os inquéritos foram arquivados por falta de provas. Três não têm qualquer registro de investigação e dois ainda não tiveram os inquéritos concluídos.
Debs é uma exceção. Está detido novamente, mas por outro motivo. A atual prisão não decorre da condenação pelo homicídio de Zé da Lapada, mas do esquema bilionário de grilagem de terras públicas, investigado pela Polícia Federal.
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