A BYTEDANCE BRASIL, responsável pelo TikTok no país, foi condenada em segunda instância na Justiça do Trabalho a exigir alvará judicial para crianças e adolescentes que realizam trabalho artístico na plataforma. Em caso de descumprimento, a empresa poderá ser multada em R$ 10 mil por vídeo, com os valores revertidos ao FIA (Fundo da Infância e Adolescência).
Tornada pública nesta quinta-feira (05/06), a decisão do TRT-2 (Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região) também obriga a companhia ao pagamento de R$ 100 mil em indenização por dano moral coletivo. A plataforma ainda pode recorrer ao TST (Tribunal Superior do Trabalho), em Brasília.
Procurada, a assessoria de imprensa do TikTok não respondeu até o fechamento desta reportagem. O texto será atualizado se a empresa enviar um posicionamento.
O que diz decisão?
O acórdão da 15ª Turma do TRT-2 afirma que “não se considera a responsabilidade da ré pelo conteúdo difundido em si, mas sim pela ausência de cumprimento do seu dever legal de exigir a apresentação de alvará para a difusão do conteúdo em sua plataforma”.
A decisão sustenta ainda que “não se trata de censura ou atentado à liberdade de expressão, mas apenas condicionamento da difusão do conteúdo ao cumprimento das normas protetivas da criança e do adolescente”.
O acórdão do TRT-2 confirma o argumento central da sentença de primeira instância: embora o TikTok proíba o uso por menores de 13 anos, a regra não é eficaz, já que a plataforma não verifica a veracidade da idade informada pelos usuários. “Tal proibição, sem o acompanhamento de barreiras eficazes, torna-se inócua”, diz a sentença.
Os conteúdos postados por crianças e adolescentes nas redes sociais nem sempre podem ser considerados apenas brincadeiras, segundo a decisão. Quando há habitualidade, monetização e performance voltada à audiência, a atividade deve ser encarada como trabalho artístico infantil.
“O acórdão representa um avanço imensurável na proteção dos direitos de crianças e adolescentes brasileiros no ambiente digital”, define João Coelho, advogado do programa criança e consumo do Instituto Alana, entidade especializada na defesa dos direitos da infância.
“Pela primeira vez, um Tribunal brasileiro reconheceu a responsabilidade de uma plataforma digital pelo cumprimento da legislação brasileira no que tange à proteção dos influenciadores mirins, que têm sido alvo de tantos abusos nos últimos anos”, acrescenta.
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TRT-2 já havia condenado TikTok, mas anulou decisão por ‘equívoco processual’
Em abril, o TikTok já havia sido condenado pelo TRT-2 por não exigir alvará judicial para trabalho artístico infantil, como determina o artigo 149 do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Duas semanas depois, no entanto, o tribunal anulou a decisão da própria corte por um “equívoco processual”, após recurso apresentado pela Bytedance Brasil.
Os desembargadores do TRT-2 entenderam que o direito de defesa do TikTok havia sido prejudicado pelo fato de a empresa não ter tido a oportunidade de apresentar “sustentação oral”, e determinaram a realização de um novo julgamento. Com a nova análise, a 15ª Turma do tribunal manteve a condenação imposta em primeira instância à empresa.
A decisão obriga o TikTok a impedir que vídeos com trabalho infantil artístico sejam exibidos em sua plataforma, sem a devida autorização judicial. O TRT-2 também confirmou a condenação do TikTok ao pagamento de R$ 100 mil por dano moral coletivo. A empresa tentou anular esse valor, alegando que o dano seria individual, e não coletivo, mas o tribunal rejeitou os argumentos.
“As plataformas digitais têm responsabilidade de cuidado com jovens”, afirma a sentença de primeira instância, confirmada pelo acórdão. A decisão destaca que o TikTok também lucra com esse tipo de conteúdo, seja por meio de publicidade, patrocínios ou engajamento. A monetização, mesmo indireta (como o envio de produtos gratuitos ou contratos publicitários via influenciadores), foi considerada como fator que reforça o caráter profissional das postagens.
Entenda o caso
A ação foi movida pelo MPT (Ministério Público do Trabalho) em julho do ano ado. O processo teve origem a partir de investigações sobre conteúdos como desafios de dança e canto, interpretação de novelas fictícias e tutoriais de maquiagem.
Segundo o MPT, a legislação que exige a autorização judicial prévia deve ser aplicada independente do tema do vídeo, uma vez configurado que a atividade se enquadra na categoria de trabalho infantil artístico.
No Brasil, o trabalho artístico infantil só é permitido mediante emissão de alvará judicial, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O documento deve ser solicitado pela família ou empresa interessada, e precisa estabelecer parâmetros mínimos para a atividade acontecer – como limitação de horas e o tipo de conteúdo produzido.
Essa regra já é consolidada na televisão e no teatro, mas nem sempre é respeitada nas plataformas digitais, onde a fronteira entre trabalho e diversão é nebulosa. No ano ado, a Repórter Brasil mostrou essa realidade no especial “Trabalho infantil na indústria tech”, que investigou o universo das plataformas e dos aplicativos para mostrar como o trabalho de crianças e adolescentes pode ser explorado de forma indevida.
* Colaborou Isabel Harari
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